domingo, 9 de outubro de 2011

Nexo

Progressiva Construção Da Loucura” - Parte 1 primeiro texto. 2011 - Agosto 11/12/13
[Likich Preinen Kach]
Anderson Patrício




    Maren paralisou, como uma máquina quebrada. Tentou respirar pausadamente, mas seu coração, acelerado, dava indícios de que tinha a funcionalidade seriamentecomprometida. Um ataque cardíaco se desenhava, claramente. Mas ele tinha que abrir aquela porta e extrair do que visse, sua última idéia no mundo dos vivos. E assim o fez: rastejando como um verme, subiu os degraus à duro custo, e abriu a porta.

N

    Mas não era isso que chamava a atenção naquela região longínqua...
    Um homem, cujo nome não se sabe, desde criança, falava sem nexo algum. Não que estivesse fora da idéia; tinha noção do que queria informar, mas as palavras se apresentavam fora de ordem, como se fossem embaralhadas em sua cabeça antes de ganharem os ouvidos dos interlocutores. Em decorrência de tal, evitava-se despendido de palavras com semelhante figura; gasto inútil de conjugações orais com análogo indivíduo; subtração de tempo, paciência e lógica com tão singular criatura; enfim, o deficitário lingüístico era evitado como praga e sua singular falta de concordância, antes de repreendida, censurada drasticamente, era dispensada explicitamente.
    Milhares de possibilidades foram levantadas; tais como: “Foi ensinado desse modo, por isso não consegue mais inverter a ordem das palavras.” “Pretende debochar de nós.” “É doente mental”. “Está possuído por uma entidade.” “Fala outra língua.” “Entende as coisas de maneira dispersa, por isso, fala dispersamente.”
    Após dizerem todas essas frases a respeito do homem, em tom de certeza absoluta, ainda ficavam pensando a respeito do caso.

II

    Kertz, que havia morado numa grande metrópole e tinha uma visão mais ampla das coisas, decidiu que descobriria as razões reais que levavam o homem que falava fora de ordem a se portar de tal maneira esdrúxula, e para tanto, decidiu que estudaria todos os pormenores de sua personalidade. Decidiu que moraria com ele, sob mesmo teto, sem qualquer outra intenção que não fosse a busca por resoluções. Encheu-se de anotações diversas, de apontamentos especulativos, de deduções absurdas, sem jamais escrever algo que tivesse algum fundo científico, ou mesmo que coadunasse com a realidade. Então, meses depois, entorpecido pelas possibilidades diversas, e após tanto conversar com o homem que falava fora de ordem, ele voltou ao convívio social, e quando se aproximou da população, disse:
    – Obter consegui êxito não.

N

    O alvoroço foi imenso: Apontaram para Kertz da maneira mais brusca possível. Ele estava contaminado! A convivência exaustiva com o homem que falava fora de ordem o tornou igual a ele! Entendia claramente o que lhe diziam, mas respondia sem fazer uso da ordem natural das palavras! Estava provado! Era uma doença! Transmissível! Uma enfermidade terrível, abominável, perigosa, que deveria ser expurgada definitivamente! Deveriam matar o homem, e Kertz também, assim, aquela anomalia lingüística seria extinta para sempre!
    Antes que todos corressem em direção aos alvos, e os apedrejassem até a morte, Maren interveio, e convenceu que a medida mais cabível era o isolamento. Deveriam isolar Kertz e o homem numa área mais afastada, proibindo ambos de se aproximar da sociedade sadia. Como justificativa para tamanha ordem, Maren citou um possível castigo divino, dizendo que poderiam ser punidos da maneira mais conveniente possível, como contraírem a doença de ambos, por exemplo, caso os matassem.
    Mesmo tendo certeza que a única maneira de ficar doente era tendo relação contínua com os dois contaminados, a população acatou a ordem de Maren, e os conduziu, proibindo-os de falar, para uma casa caindo aos pedaços, que serviria de hospital para a dupla.


III


    Os dias foram se passando, e apenas Maren ia até lá, sem dizer palavra, levar água e comida para os dois. Maren sequer os via. Apenas deixava os mantimentos e saia apressadamente, ouvindo apenas, uma vez ou outra, os ruídos provenientes da locomoção de algum dos dois, do interior da casa até a parte de fora.
    Mas aquilo estava se tornando um inconveniente! Maren sentia-se um serviçal, levando comida para seu patrão; um entregador de recados grosseiro e sem vida própria, que se limita a levar correspondências para as pessoas, e sequer sabe o que elas sentem após ler as frases; um robô programado para realizar sempre o mesmo serviço, sem nem saber o que está fazendo; ou que seja: um religioso que dá amparo aos leprosos segregados, afundados em lascívia e promiscuidade! Maldita idéia teve! Deveria ter deixado o povo avançar sobre a dupla e só parar com o açoite quando houvesse duas sombras imóveis, afogadas em sangue! Mas fora misericordioso! Idiota! Por trás de que sentimento surgiu a opção de enclausurá-los?
    Baseado em que fundamento? Em que plano para o futuro?
    Castigo divino? Óbvio que não! O castigo já estava lá, representado pela dupla de loucos! Agora, com a população livre da culpa, e os dois vivos, o castigo caiu sobre ele próprio! Bondoso ser, que ia, duas vezes por dia, levar o necessário para que vivessem e se dedicassem sabe-se-lá a que atividade, com certeza mais interessante do que sair pra lá e pra cá, carregando algo que lhes matasse a fome!
   Estava decidido: Maren iria parar, definitivamente. Sairia, fingindo levar as provisões, mas no caminho se livraria delas, e deixaria os recipientes sempre vazios, até que morressem de inanição.

N

    Passados exatos vinte e três dias de claustro, sendo destes, cinco desprovidos de água e qualquer tipo de material orgânico digerível, Maren foi parado por um morador, que disse:
    – Três pessoas sumiram, misteriosamente. Acredita-se que isso tenha alguma ligação com os loucos. Reunimo-nos e chegamos a uma decisão: Você deve entrar na casa, e averiguar se a suspeita é mesmo verídica.

N

    Era só o que faltava! Maren foi encarregado sem que sua opinião fosse considerada! Teria que cumprir a ordem do povo! Entrar no hospício e saber se as pessoas desaparecidas estavam lá! Logo agora, que tinha parado de alimentar os dois! Mais parecia uma conspiração! É claro!    Armaram tudo contra ele, já conhecendo sua personalidade, para que ele seguisse todos os passos planejados pelos mentores da conspiração, até que, achando ter algum domínio, logo caísse em abismo, vendo todo o resto da população rindo de sua cara, de sua fraqueza! Sujeito previsível, patético! Deveria ser devorado ao entrar no cubículo, para que sua burrice repugnante sumisse definitivamente! Mas, antes disso, ainda seria conduzido, como uma marionete! Esse era o objetivo de todos, desde o início.
     Por um instante, Maren chegou a pensar que não havia o homem que falava fora de ordem, ou mesmo que Kertz fosse apenas um ator, integrante da seita que o manipulava. Tudo, desde que Kertz foi morar com o homem, não passava de armação! Quem sabe, até o homem que falava fora de ordem fosse um ator também!
    O domínio indireto! Tal hedionda e eficaz prática que controla os corpos previsíveis! Essa era a resposta!

N

    Enquanto caminhava até a casa, pensou em postergar a ordem, e retornar. Mas estava ansioso demais... Um turbilhão de emoções se formou dentro de sua cabeça, e perante sua imagem. Seus braços estavam quentes, as pernas, trêmulas. Forte taquicardia o acometeu. Não era possível! O que será que encontraria dentro da casa? Os cinco, debochando de sua néscia personalidade? Estariam todos reunidos, saudáveis, conversando normalmente, e ao notarem a chegada de criatura tão desprezível, apontar-lhe-iam os dedos rígidos e soltariam estrondosas gargalhadas?
    Não! Pior: A casa estaria vazia, sem sinal algum de que alguém houvesse estado lá, e Maren enlouqueceria, invariavelmente debilitado após ter sido ludibriado por si próprio e por todos, e, sem mais ter noção algum da realidade, falaria quaisquer palavras sem nexo, antes de se atirar contra a base de qualquer precipício!
     Ora! Poderiam estar mortos! Os cinco, ou apenas os dois! Aquilo poderia ser real! Dois homens que falam fora de ordem, e três pessoas que sumiram por algum motivo difícil de compreender, mas que, mesmo assim, não poderia ser tão perturbador assim!
     Maren estava exagerando! Isso! Pensou demais acerca de inúmeras probabilidades e acabou confuso! Logo entraria na casa e encontraria a resolução: Os dois homens famintos e desidratados, mas vivos, e três pessoas curiosas! Essa sim era a lógica! Era isso que encontraria, sem margens pra qualquer tipo de especulação mirabolante.


IV


    Maren havia chegado: A casa estava logo ali, em sua frente. O silêncio reinava, absoluto. Uma grande sensação de vazio e finalização o atacava. Nem sabia definir como se sentia. Parecia o último dia de sua vida. Não tinha noção do que encontraria lá dentro. Novamente, as possibilidades se manifestaram, agudas, latentes. Teve vontade de desaparecer pra sempre, pra jamais ter conhecimento da verdade. Mas, que verdade? Tudo era uma grande ilusão! Tudo fruto de sua cabeça! Um pesadelo horrendo e irreversível! Qualquer coisa diante de seus olhos e a impressão seria a mesma: Aquilo não era real! Tão logo pensasse dessa forma, outra realidade surgiria, talvez a inversa da anterior!
    Maren paralisou, como uma máquina quebrada. Tentou respirar pausadamente, mas seu coração, acelerado, dava indícios de que tinha a funcionalidade seriamente comprometida. Um ataque cardíaco se desenhava, claramente. Mas ele tinha que abrir aquela porta e extrair do que visse, sua última idéia no mundo dos vivos. E assim o fez: rastejando como um verme, subiu os degraus à duro custo, e abriu a porta.

V

    Era um surto, uma epidemia! Todos falando fora de ordem. Começou com um homem, depois outro... Logo, toda a população, exceto Maren! Era algo realmente grave: Ninguém mostrava indício de que sabia que estava verbalizando equivocadamente! Era algo sério, que tinha que ser combatido imediatamente.
    Então, julgando-se um deus, único ser saudável, escolhido dentre centenas, ele não pensou duas vezes: Esperou o momento em que estavam dormindo, sob o mesmo teto, numa comemoração religiosa, e ateou fogo em todos.
    Enquanto os corpos carbonizados se debatiam de sofrimento, Maren, por algum instante, percebeu que o que eles diziam fazia sentido.

N

    Um homem tinha um problema esquisito: falava sem nexo algum. Não que estivesse fora da idéia; tinha noção do que queria informar, mas as palavras se apresentavam fora de ordem, como se fossem embaralhadas em sua cabeça antes de ganharem os ouvidos dos interlocutores. Em decorrência de tal, evitava-se despendido de palavras com semelhante figura; gasto inútil de conjugações orais com análogo indivíduo; subtração de tempo, paciência e lógica com tão singular criatura; enfim, o deficitário lingüístico era evitado como praga e sua singular falta de concordância, antes de repreendida, censurada drasticamente, era dispensada explicitamente.

N

    Kertz, um homem que havia morado numa grande metrópole e tinha uma visão mais ampla das coisas, com pena do pobre coitado que falava fora de ordem - anônimo desde o princípio de sua existência -, pensou rapidamente e decidiu que a partir daquele dia o chamaria de Maren.


fim



Por algum motivo desconhecido, pessoas especiais aparecem na nossa vida, todas elas nos ensinam alguma coisa, seja boa ou ruim. Na verdade, até mesmo as que acabamos criando algum conflito também nos passam experiências. 
Com o Anderson Patrício, autor do conto acima, aprendo constantemente coisas que só me tem feito crescer. Passo a observar pontos diferentes do mesmo fato. 


 Seja filosofando a sociedade ou falando simplesmente sobre crenças, costumes, ações e sentimentos humanos, trocamos experiências que são difíceis de descrever.
Somos avessos em muitas coisas, mas essa cumplicidade, ganhada com o tempo, me faz admirar, cada vez mais, esse ser tão complexo. 
Obrigada por tudo que me ensina, 7. Esse número sempre me deu sorte.

"Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso".
                                                                                                                                   Charles Chaplin


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Movimentados


Sempre detestei política, minha ignorância sobre o assunto me fazia crer que todos os “políticos” eram iguais. Hoje em dia, aprendi a diferença entre política e politicagem.

Acostumada a ver casos de corrupção e oportunismo na TV, e não só nela, minha cidade sempre foi marcada por isso, era difícil acreditar que alguma coisa poderia ser diferente. Talvez essa descrença fosse falta de maturidade e alienação política da minha parte. Mas hoje, me sinto mais amadurecida e aprendendo a cada dia.

Convivo com pessoas que me provam, em cada atitude, que é possível manter um governo honesto, mesmo existindo (sempre irá existir) gente interessada no próprio umbigo, e em encher cuecas e calcinhas, e que, além disso, faz de tudo para prejudicar o trabalho limpo.

Hoje recebi um golpe duro. Duro para meu coração e mente. Uma manifestação que poderia ser limpa e justa me mostrou o quanto as pessoas podem ser feitas de fantoches nas mãos de grandes manipuladores que se preocupam em se beneficiar em cima de outras pessoas, ou seja, politicagem para as próximas eleições.

 Sempre admirei os professores. Sempre os achei digno de salários melhores, em todo o Brasil, essa é uma das classes menos valorizadas. O trabalho de um professor é lindo, e, sem dúvidas, merece ser reconhecido. Mas hoje, observar com meus próprios olhos pessoas envolvidas em conchaves políticos e não em melhorar a vida desses profissionais me fez repensar o sentido de ideologia. Até quando isso vai existir?

Enquanto professores ganham menos de mil reais por mês, vereadores ganham mais de dois mil para fazer campanha, quatro vezes por mês, na tribuna. Mas isso ninguém contesta ou protesta.

Penso que nosso maior protesto é na hora do voto. Não falo em protestar votando em tiriricas, mas sim, em pessoas que realmente querem o bem para toda uma comunidade. Fato que influencia no passado, presente e que modificará o futuro de milhares de pessoas. 

terça-feira, 5 de julho de 2011

De que lado você está?


Hoje proponho pensarmos em um tema muito polêmico em todo o Brasil: o nosso sistema penitenciário. Dados divulgados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apontam que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 494.598 presos. Com essa marca, o país está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm 2.297.400 presos, e da China, com 1.620.000 encarcerados.

Há pessoas radicais que preferem a implantação da pena de morte no Brasil. Que o nosso atual sistema é frágil e habitualmente serve de escola para novos “meliantes” todos sabem, mas será que essa forma seria eficaz em um país em que certos indivíduos facilmente se corrompem? Será que a justiça funcionaria igualmente para todos? Será que podemos julgar o valor da vida de alguém?  

Pesquisas em estados norte-americanos, que tem como lei a pena de morte, revelam que o índice de criminalidade não diminui e, na maioria das vezes, é semelhante ao de estados em que a punição não é dessa forma.

A pena de morte gera muita discussão, mas é algo que não está tão perto da nossa realidade ou de um futuro próximo. Por falar em futuro, lhe pergunto: Você empregaria um ex-presidiário? 

É comum ouvirmos “errar é humano” ou a frase bíblica “quem nunca errou que atire a primeira pedra”, mas na prática as coisas não funcionam bem assim. São raros os casos de pessoas que passam pela prisão e deixam o mundo do crime ou são raros os casos de pessoas que deixam o mundo do crime porque conseguem uma nova oportunidade?

Esses e muitos outros problemas são fruto da cultura do nosso país, de problemas psicológicos desenvolvidos e da desigualdade social. Cada um deles influencia de forma “eficiente” a vida de pessoas que entraram no mundo do crime, seja pela razão que for. 

Nos últimos cinco anos, houve um crescimento de 37% no número de presos do Brasil. Do total da população carcerária, 44% ainda são presos provisórios, ou seja, esperam o julgamento de seus processos. Agora, entra em vigor a lei que muda a forma de executar as prisões preventivas no Brasil, mudança que vai afetar a ação da polícia e também da Justiça. O tema tem provocado polêmica: uns acreditam que vai aumentar a impunidade, outros dizem que vai organizar o sistema prisional brasileiro, que se encontra superlotado. 

Um dos maiores erros do ser humano é o de condenar e não pensar em maneiras de evitar os problemas. A única forma eficaz de evitar que o futuro de alguém se comprometa é investindo na educação. A educação é a única forma de transformar nosso ser. A família e a escola influenciam diretamente o futuro das crianças, que no futuro, escolherão que caminho seguir, por isso a importância delas em cada novo indivíduo.

E sobre a pena de morte? Compartilho a opinião de alguém que admiro muito que me disse uma vez: “As injustiças sociais não permitem que a pena de morte seja implantada no Brasil”, seu nome é João Luis Montini Filho.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cri

 “A vida é uma caixinha de surpresas”. A frase é clichê, mas extremamente verdadeira. O que eu achava que seria um trabalho chato de faculdade, me surpreendeu, já que foi nessa atividade que conheci o talentoso jornalista Rubens Celso Freitas Barbosa, o Cri.

Há mais de 20 anos atuando no jornalismo, Cri tem muita história para contar e experiências para serem divididas. Participou de momentos marcantes no nosso país, como os “anos de chumbo” do regime militar e a elaboração da Constituição de 1988. Um homem que merece atenção e que cultiva admiração de quem o conhece.

Durante a entrevista, a seguir, você vai observar o ponto de vista deste “militante” em diversos assuntos. Censura e liberdade de imprensa são assuntos muito discutidos, suas frustrações pessoais emocionam, e, até mesmo você, que não é jornalista, poderá conferir dicas importantes.

1) Como se interessou pela comunicação social? Onde você já trabalhou? Como era seu relacionamento com os colegas de trabalho? Atualmente, continua na profissão?
Cri – Meu primeiro contato com o que se convencionou chamar de Comunicação Social foi através da arte. Ainda na terceira série ginasial (hoje 7ª série do ensino fundamental), na escola Felício Miziara, fui convidado a participar de um grupo de teatro que a escola mantinha, pela minha professora de português, dona Dayse Rollemberg, já morta. Eu me destacava nas suas aulas e ela achou que eu tinha o perfil para fazer teatro. Além de ser uma pessoa com muita desenvoltura eu tinha outra característica que era fundamental para o exercício da profissão: cultura geral. Lia muito e tinha vocação para saber das coisas. Vivíamos uma ditadura militar e eu era, dentro da escola, com pouco mais de 12 anos, uma pessoa inconformada com a situação política do país. Deixava isso claro nas aulas e nas rodas da escola, assim como junto a todos os professores. Naquela época, para você montar uma peça de teatro havia um ritual que passava pela censura. Dois tipos: a censura do texto (quando o texto era enviado à Censura Federal) – uma repartição da Polícia Federal – para saber se ele não “atentava contra a ordem pública”, e outra chamada censura visual. Na censura visual “um censor marcava data a partir de São Paulo – no nosso caso, claro – e vinha “ver” o espetáculo montado. Fazíamos uma apresentação com o teatro vazio, apenas para ele ver. Além dela, havia a censura do texto – eles cortavam partes ou até mesmo o censuravam o texto na totalidade –. Já na censura visual, eles queriam ver se você não fazia gestos ou alguma cena em que, sem falar (usar do texto) você atentava contra o regime militar através de gestos, cartazes, etc...”. Certa vez eu decidi escrever um texto. Ele era muito experimental. Com pouquíssimas palavras e muitas cenas. O espetáculo se chamava Faces. Enviei para a Censura Federal e, além deles (os censores), um repórter da Folha Ilustrada, da Folha de São Paulo, se interessou por aquele espetáculo diferente. Ele veio acompanhando o Censor para ver a peça. O Censor não fez qualquer objeção, mas o repórter achou que eu devia ser jornalista, falar mais objetivamente às pessoas, essas coisas. Sobre meu espetáculo, fez uma bela matéria para a ilustrada, de uma página. À época, Rio Preto tinha 4 jornais diários (Diário da região, Folha de Rio Preto, A Notícia e Diário da Araraquarense) e outras 5 emissoras de rádio (Rádio Independência, Brasil Novo, Rádio Rio Preto, Anchieta e Piratininga). Não havia FM. Como tinha amigos jornalistas na cidade, acabei n’A Notícia. Foi meu primeiro emprego. Dois meses depois, mesmo n’A Notícia, comecei a fazer noticiário para a rádio Brasil Novo (escrevia os noticiários para a emissora que, depois, eram lidos por um locutor). Logo começaram a se instalar na cidade as FMs. A Brasil Novo AM montou a Onda Nova FM, para onde fui deslocado (já havia a Independência FM, que foi a 1ª a se instalar). Foi meu primeiro trabalho como locutor (mas na Onda Nova FM eu fazia programas musicais, e foi antes da emissora se transformar na primeira FM do Brasil a se dedicar 24h por dia exclusivamente à música sertaneja). Não parei mais: trabalhei no Diário da Região, na Folha de Rio Preto (hoje ela se chama BOM DIA), na A Notícia, refundei o Dia e Noite – que, nessa oportunidade, durou seis meses -  (jornal havia explodo na cidade nos anos de 1976, 1977 e depois faliu) e implantei há sete anos (infelizmente) o D’Hoje (que foi jornal durante uns seis meses, depois virou uma piada). Trabalhei nas rádios Brasil Novo AM, Onda Nova FM, Independência AM, Independência FM, Estéreo Show (uma emissora que era do grupo Abril e que foi vendida para a Independência AM/FM - hoje é a Band - e as três se transformaram no Sistema Independência de Rádio) – nelas fiz política muito forte, era perseguido pela Polícia Militar local (e por outros serviços que não consegui identificar), fiz a campanha pelas Diretas Já em Rio Preto, pela Constituinte de 1986, transmiti ao vivo de Brasília a instalação (da Constituinte) em 86 e a conclusão da Constituição em 1988, etc..., ainda trabalhei na Band, e na Rede Globo Noroeste Paulista, no Canal 16, depois fundei jornais de bairro, como o Jornal da Zona Norte, etc... Fui processado algumas vezes, por injúria, calúnia, difamação, mas sempre fui inocentado (ainda respondo uns dois ou três inquéritos).
Após uns quinze anos na profissão, na maior arte do tempo cobrindo política, acabei me envolvendo com políticos. Aí perdi a objetividade e a independência. Por isso, passei a cumprir outras atividades que a profissão permite. Fiz campanha política (marketing político, texto, produção de programas de TV, etc...). Passei também a fazer assessoria. Fui diretor de Comunicação Social da Câmara Municipal de Rio Preto por três períodos (seis anos). Fui assessor funcionário da Câmara Federal para o então deputado federal Edinho Araújo.
Hoje sou assessor de imprensa para a região Noroeste (no papel, assessor parlamentar) do senador Aloysio Nunes Ferreira Filho (PSDB), com quem mantenho amizade desde quando ele voltou do exílio, após perseguição dos militares. Ele foi presidente do 11 de agosto – diretório estudantil da Faculdade do Largo de São Francisco (Direito da USP) e militante armado da ALN - Aliança de Libertação Nacional. Ele chegou de volta ao Brasil em 1980, junto com FHC e Serra (ele exilou-se na França), depois da anistia concedida pelo presidente general João Figueiredo de Oliveira (ele assinou a anistia por pressão popular e porque seu pai, um general (Euclides Figueiredo) no período de Getúlio Vargas – também foi exilado e foi anistiado – e ele se lembrava – era menino - do quanto sua família sofreu). Também mantenho longa amizade – amiga querida - (antes que ele a conhecesse) com a esposa dele, jornalista Gisele Sayeg, hoje professora em numa faculdade em São Paulo, cujo nome não me lembro.
A segunda parte da pergunta é um pouco difícil de explicitar: minha relação com os colegas – No início foi muito difícil. Os jornalistas da época eram muito dóceis (a censura e a pressão eram bravas). Tínhamos uma ditadura no país e eles “estavam acomodados com a situação. Não podiam falar muita coisa. Para se ter uma idéia, os grandes jornais do país tinham um censor (assim como para teatro e música) dentro da redação que liam texto e só autorizavam ou não a publicação após leitura minuciosa, e subjetivamente decidiam o que era publicável e o que não era. Eles acabavam ‘promovendo uma espécie de auto-censura’ nos jornalistas. Tinham medo. Os jornalistas já sabiam o que podia e o que não podia publicar, além das punições que sofriam (tínhamos no país uma lei chamada Lei de Segurança Nacional (LSN), pela qual enquadravam os jornalistas por motivos subjetivos; jornalistas, militantes políticos e até pessoas comuns. Essa lei era motivo de pânico por parte de jornalistas, donos de jornais (alguns jornais chegaram a fechar) e militantes políticos porque, quem os enquadrava nela, não precisava apresentar muitos motivos (provas). Você recebia em casa uma intimação que o enquadrava na LSN e pronto. Para se livrar era um transtorno, porque ela não fazia parte do regramento jurídico do país (Códigos Penal, Civil, Criminal, etc...) Era uma lei de exceção, política. Você é que tinha que provar que focinho de porco não era tomada, que não era culpado de nada (muitas vezes apenas uma opinião contrária ao regime ou aos militares). E pronto. Raramente alguém conseguia provar a inocência (os juizes tinham medo dos militares – todos tinham medo. Na realidade, os militares usavam a Lei para amedrontar e perseguir, muitas vezes, quem eles apenas não gostavam, mesmo sem motivo). E eu achava que “os colegas” eram medrosos. Eu era muito jovem. Não tinha filhos. Portanto, “não tinha nada a perder – ou quem dependesse de mim”. Não conseguia entender tamanha servidão no dia-a-dia das redações. Brigava com meus companheiros de redação. Cheguei a xingar alguns deles de covardes, de coniventes, de pessoas ligadas ao regime (militar), de bundões. Mas eles eram mais velhos, escolados, me entendiam, me desculpavam. E gostavam da minha postura diante da ditadura. Devagar tudo foi caindo: a LSN, a censura, e, com as mobilizações populares, a própria ditadura. Eu era um pouco geniozinho rebelde, cabeludo, maconheiro. Eles eram todos bêbados. A gente não combinava. Eles faziam programas de boteco e eu tinha minha turma, bem diferente. Mas eram gente fina, estão aí até hoje: Minhas maiores brigas foram com Walter Prata, na A Notícia. À época tínhamos trabalhando na cidade jornalistas importantes tais como Alaor Inácio dos Santos, Nilza Bellini, Neide Nadruz, Élzio Gianotti, José Luiz Rey, Toledo, Lelé Arantes, José Carlos Furlaneto (outro direitista com quem eu brigava muito), Beto Lofrano, Eládio Baida, José Alberto Ceconi, dono da Folha – morria de medo, Cecília Demian; Jô Ramirez, Milton Rodrigues (do Diário) e Miltinho Rodrigues (da A Notícia e locutor de rádio); meu professor de tudo, chamado Leônidas Jericó – falava: calma menino, calma -, Mário Soler, Rosa Maria Abrhão, Adib Muanis Filho (Adibinho) meu chefe na Globo; Wilson Guilherme, Clenira Sarquis, Ruy Sampaio, Mirna Soares, e dezenas de outros que não consigo me lembrar agora, gente que já morreu, etc... No rádio trabalhei com gente que na época eu não gostava (era muito preconceituoso, coisa da juventude) como Gentil Rossi e todo o grupo da geração dele (eles já eram velhos quando eu cheguei e não suportava o estilo deles). Mas eles me adoravam. Sacavam que minha posição era ideológica, de irredutibilidade diante da ditadura, do Brasil pobre e injusto, essas coisas que o tempo vai fazendo esvair.  E eu tinha outro lado que eles admiravam. Era militante político. Ainda na escola (Miziara) entrei para um grupo clandestino (mas que não aderiu a luta armada) chamado Libelú – Liberdade e Luta, fundado e ligado a professores, centros estudantis e intelectuais da USP. Esse foi um dos grupos (chamados até hoje de Tendências – o Lula pertencia a uma Tendência, e ainda pertence, a mais frouxa, mas que tem maioria, vence todas as votações internas e manda no partido) que fundou o PT. E eu militava em Rio Preto. Nunca participei de nenhuma ação violenta, apenas estudávamos cartilhas de esquerda e de como recuperar a democracia com lutas populares, organização sindical, estudantil e de associações populares.  Não assinei a ata, mas ajudei a fundar o PT por aqui. Eu me envolvi com o grupo no Miziara e na Casa de Cultura, quando fazia teatro. Tinha até codinome (nome falso) e participava de reuniões secretas, com no máximo cinco outras pessoas que não se conheciam – era para que ninguém – caso fosse preso - caguetasse, dedurasse, ninguém.
Para responder a última parte da pergunta – sim, ainda continuo na profissão. Escrevo matérias e textos para artigos do senador Aloysio Nunes. Ele lê, aprova ou não, muda o que deseja, descarta o que ele não concorda, essas coisas... Portanto, sou funcionário do Senado Federal. Fico num escritório em Rio Preto. Em Brasília ele tem uma assessora de imprensa (Cláudia Lacerda, com quem trabalhei na A Notícia) que faz a interface (o dia-a-dia) com os jornalistas que cobrem o Congresso Nacional.
2) Você tem/teve depressão?
Cri - Tenho depressão hoje, porque vejo que a profissão é um engodo. Ela não serviu para nada do que eu queria. Hoje tenho 54 anos e o país piorou do ponto de vista ético e moral. O Brasil cresceu, ficou importante e a miséria “diminuiu”. Mas não a miséria moral. Do ponto de vista cultural, o país não avançou um milímetro. Piorou. Quando era jovem tínhamos geração crítica. Não era tão asséptica, tão politicamente correta, podíamos pensar sobre qualquer coisa com menos patrulha ideológica. Hoje a juventude é subserviente, na totalidade. A única atividade que provoca o contraditório (a tal da dialética) é a atividade cultural. A discussão da história da arte e a leitura como atividade/dia. Outra coisa que você descobre ao longo da carreira (hoje muito mais cedo) e que não existe liberdade de imprensa. O que existe é liberdade do dono do jornal ou do dono de qualquer outro veículo. O jornalista é apenas um empregado que serve aos interesses do proprietário do veículo. Se ele estiver a fim de se alinhar a um projeto político que você não concorda, você faz a “pauta” que ele determina. Hoje a fuga desse tipo de imposição é a fuga para veículos alternativos. Você pode fazer um impresso seu (jornal independente, mas que depende de propaganda) ou mesmo fugir para veículos virtuais como blogs ou sites pessoais. Mas quando eles não estão ligados a veículos de destaque acabam tendo uma ação limitada. Caso você não tenha poder econômico, fica a mercê de grupos fortes que podem te intimidar. A diferença entre quando eu comecei e hoje é o seguinte: naquela época todos (todos mesmo) tinham um inimigo em comum: a ditadura. Então, quando um jornalista era mais corajoso, tinha o apoio do dono do veículo. A sociedade civil estava unidade, da esquerda á direita. Hoje não há inimigo em comum. Não há quem derrotar. Não há por que dar independência ao jornalista. Então, entramos na era do superficial, da celebridade. A notícia mais importante é o fugaz, o superficial, o BBB.  Hoje, raramente temos uma redação comprometida com os problemas reais da cidade (que pensa e apresenta um projeto alternativo para a cidade), do estado ou do país. Infelizmente, hoje, o jornalista se acha mais importante que a notícia. Ele deseja ser a celebridade. Desde que ele seja “notado”, “apareça”, a notícia passa a ser secundária. Ou, ele tem uma noção equivocada do que é uma notícia realmente importante. Tanto que muitos hoje entram na profissão porque acham que vão ser estrela da rede Globo. Quando descobrem a realidade, se frustram. Começa que a maioria vai para veículo impresso. Tem que escrever. Não é bem assim. Como qualquer outra profissão, ser jornalista é 90% de transpiração e 10% de inspiração. Ou seja: somos apenas operários. Picamos ponto, cumprimos horários, ganhamos uma miséria. Eu particularmente sempre fui muito bem pago, ganhei alguma grana. Podia ter guardado, mas não o fiz. Hoje tenho depressão sim. Mas quando trabalhava diariamente tinha muita tensão, ficava instigado, irritação, e tesão pela coisa. Vivia ligado. Dormia pouco. Mas amava a tensão da coisa. Isso foi passando com o tempo. Hoje devo confessar que sou deprimido por ter “descoberto” que não adiantou muita coisa tudo o que fizemos. Se pudesse voltar no tempo faria tudo diferente, talvez optasse por outra profissão. 
3)O que significa depressão para você? Como foi essa fase na sua vida? Quanto tempo durou? Fez algum tratamento? Aprendeu algo com isso?
Cri - Depressão é um estado de prostração. De falta absoluta de vontade de fazer (seja o que for). Querer fugir da realidade, dormir, por exemplo, enquanto tudo pega fogo. Não se importar muito com as coisas importantes. Relevar. As coisas perdem o sentido. Tudo deixa de ter importância. É muito pessoal. Muitas coisas podem te levar à depressão. No meu caso, a decepção. Trabalhei muito. Durante uns 20 anos trabalhei em dois ou três veículos ao mesmo tempo (jornal, num horário, rádio noutro e TV num terceiro tempo). Perdi todos os sábados, domingos e feriados desse período. Plantão atrás de plantão. Quando não era num veículo era noutro. Fiz de tudo: política, polícia, geral, esporte, economia, tudo. No rádio, na TV e nos jornais. Se você não tem dinheiro para um bom psiquiatra, tem que superar de forma racional. Mesmo não tendo vontade de nada, de fazer, passe por cima dela de forma racional, mesmo no fundo do poço. E tem que sair dela de forma racional porque mesmo mal você sabe que o estado em que ela te deixa não é o normal. Então, tem que sair e pronto. É como se você esta se afogando. Se você não subir e sair nadando, mesmo que à força, você se afoga e morre. Então, tem que ir em frente. Por a cabeça pra fora e ir à luta. Não tem outro jeito. Mesmo que você tenha dinheiro para um psiquiatra o que ele vai fazer é você se conhecer melhor, mas o que você tem que fazer para se livrar dela é a mesma que você tem que fazer se não tiver dinheiro, se não tiver psiquiatra. Não é o psiquiatra que te pega com a mão e te tira de lá. Mas não é apenas a profissão que te dá depressão. Descobrir que a vida é limitada, que acaba, que as pessoas que você ama estão indo embora, que o tempo não volta, que a chance que você teve não terá novamente, que a pessoa que você ama não te ama, que quem você não trai te traiu, etc..., tudo pode levar à depressão. Olhar no espelho e ver a juventude pelo retrovisor, por exemplo, é a coisa mais doida da vida. Descobrir que você não é insubstituível, que quando as rugas aparecem você olha e todos são belos e jovens e fazem o que você fazia e agora eles é que são importantes, etc... A vida não te prepara para isso, mas descobrir com consciência que essa hora chega é muito importante para superar quando tudo chega. Saiba disso, sugue tudo o que a juventude pode te dar, porque ela vai embora e numa velocidade que você nem imagina. Num piscar de olho.
Nunca fiz tratamento. Não acredito em quem sabe menos que eu. Desculpe a falta de modéstia. Mas em Rio Preto, por exemplo, esse universo é que precisa ser ajudado (psicólogos e psiquiatras), não consegue ajudar ninguém. É um bando de imbecis. Um dia você vai descobrir que os “doutores” são pessoas menores que você.
Aprendi muito com a depressão. Aprendi que ainda tenho tempo de conquistar coisas, para sair dela, que hoje 54 anos é o mesmo que ter 40 quando eu era jovem. A medicina avança e dá chance para que você fique um pouco mais por aqui, que ainda dá tempo de lutar por coisas que você não considerava importante até pouco tempo atrás, mas que fazem toda a diferença. Agora, tem uma questão: a medicina está descobrindo que a depressão não é apenas motivada por questões emocionais. Com o passar dos anos o corpo deixa de produzir certos hormônios, ou mesmo enzimas que o cérebro usa como neurotransmissores.  Ou seja: enzimas que levam elementos químicos de um lado para outro do cérebro. Alguns, como a serotonina, responsável pela sensação de felicidade, de bem estar (liberada principalmente quando se faz exercício físico) podem ser repostos. Nesse caso, o tratamento é químico mesmo. Tomar remédio e acabou. Aí a vida volta a ter cor. Uma das doenças mentais que estão descobrindo que é provocada por falta ou morte de neurotransmissores é a esquizofrenia (algumas formas dela, porque têm várias). Tem gente que ficou anos presa em manicômios que está voltando à vida depois de tomar remédio para repor neurotransmissores. Portanto, cuidado com essa coisa de que “estamos emocionalmente comprometidos”. Os químicos estão desmistificando muitas doenças que antes eram “propriedades particulares de alguns segmentos da medicina”.
4)Na nossa área somos cada vez mais pressionados a saber sobre tudo, e sermos mais rápidos (furos jornalísticos) que os veículos de comunicação concorrentes, gerando assim uma pressão maior sobre resultados. De que forma isso se reflete/refletiu em você? 

Cri - Nunca perdi o sono por causa disso. A competição me estimulava. Em mim refletiu como estímulo. A competição me dava alegria. Me fazia tentar passar por cima dos outros. O problema é quando não estamos preparados. Você tocou num ponto importante: saber sobre tudo. Na realidade, ser jornalista é ter cultura geral. Essa é uma obrigação do jornalista. Caso contrário, caia fora. Se você se sente pressionado por falta do saber, é porque você não é. Isso não é o fim do mundo. Na realidade, o saber é apenas ler. Ter cultura geral. Ler jornais diários. Ser contemporâneo. Ver filmes, teatro, música, saber quem é quem na história e na história do seu tempo. Eu, particularmente, li muito (já com 13 anos participava de um grupo, na Casa de Cultura, de estudo que lia em grupo os grandes pensadores e discutia suas idéias e posições) Isso não é difícil de fazer. É só juntar um grupo de estudantes, escolher temas, e mandar bala. Logo aparece alguém que sabe um pouco mais para ajudar, um professor, por exemplo. Vi centenas de peças de teatro, li muita história e fiz curso de história da arte. E, por incrível que pareça, não tenho nenhuma faculdade, embora tenha começado três e não concluído nenhuma (Letras, Direito e Jornalismo). A questão do furo do dia-a-dia é saber trabalhar. Construir fonte. Aí já é uma questão de estabelecer relações “de confiança”. Jamais converse coisas sérias com suas fontes na frente de outras pessoas. Essa é uma relação entre duas pessoas. Fale com ela fora do trabalho dela, ligue na casa dela, se encontre em locais onde pessoas não fiquem sabendo. Alimente essas relações no dia-a-dia. Isso não se faz do dia para a noite. Hoje com dezenas de fontes de informação, o negócio é pesquisar (milhares de sites), leia todos, fique sabendo de coisas antes que os outros. No caso do jornalismo, existem centenas de institutos de pesquisas (poucos exemplos – IBGE, IPEA, CEPAM, FGV, FIPE-USP, etc...). Eles dão dados que lhe darão manchetes todos os dias. Pegue os dados, traga para a realidade local. Por exemplo: o IBGE dá um número sobre mortalidade infantil no país. Busque o mesmo dado dentro da sua realidade, do seu contexto, da sua cidade, e terá uma bela matéria. Faça o mesmo em relação a pobreza, a miséria, o número de homens ou mulheres, brancos ou pretos, faixas etárias (idade), gêneros (sexualidade), e assim por diante. Pegue os dados e repercuta junto a especialistas desses assuntos dentro da sua cidade. A FGV faz isso com números da economia. O CEPAM com questões do Direito. Caso seja setorista (de política, na Prefeitura ou Câmara, ou de esporte, nos times da cidade) estude o organograma de cada uma dessas instituições. No caso da prefeitura, são 18 secretarias. O que cada uma delas faz. Qual o esqueleto funcional – quantos funcionários, o que cada um faz – quais os projetos que ela toca, como eles andam, em qual estágio estão, pergunte -  faça o acompanhamento diário, e não levará furos. Dará furos. Saber quais são os funcionários e o que cada um deles faz é importante até para fazer contato longe dos olhos dos outros (dos chefes), por telefone (não por e-mail, porque deixa rastro). O setor policial é a mesma coisa, um pouco mais perigoso. Não tem segredo. Para ter acesso a leitura, não é necessário ser rico. Rica é a biblioteca pública da cidade. Descubra.
No caso da pressão, refletiu em mim me dando força. Nessa área a gente tem que ser agressivo, instigar, ser curioso, não ter vergonha. Ser atrevido. Ninguém nasce sabendo, portanto, é preciso não ter vergonha e perguntar. Conheci jornalista que tinha vergonha de perguntar o nome correto do entrevistado. Ele achava que ia mostrar ignorância, No dia seguinte, o nome do cara estava grafado de forma errada. Aí é que fica ruim. É preciso perguntar tudo. Absolutamente tudo, mesmo que pareça ridículo.
5)Muitos relacionamentos são desfeitos pela falta de vida pessoal dos jornalistas (não tem feriado, passa o tempo todo na redação ou viajando, etc.). Isso já aconteceu com você? Se sim, como lidou com isso?
Cri - Claro que isso aconteceu. Na realidade, eu não tive vida pessoal no sentido amplo dessa expressão. Tinha vida familiar, apenas. Desfiz relacionamentos da juventude, da militância política, dos grupos de teatro. Mas considero que não desfiz, e sim aumentei minhas relações. Claro que aquilo que fazia no dia-a-dia com essas pessoas deixaram de ser feitas. Mas minha vida como jornalista foi tão intensa que não sentia falta de nada. Hoje eu sinto. Mas não sinto falta de pessoas, mas sim de coisas que não fiz. Hoje eu não trabalharia tanto e amaria mais. O amor é a única coisa que importa na vida. Teria tido mais relacionamentos. Durante anos fui rato de redação (praticamente dormia na redação). Hoje sinto falta do que não tive. Não tive amores. E hoje sei que é a única coisa que importa. É a única coisa que se leva. Conhecimento, relações que te dão a ilusão de importância são coisas fugazes. O que vale são as relações de amor. De amor verdadeiro. De sentir e ser sentido. Não sinto os relacionamentos desfeitos. Sinto aqueles que não foram feitos. Não deixe isso acontecer com você. Na minha idade, não há como lidar bem com isso. Apenas lamenta-se, aceita-se. E deixa a vida acontecer. Um dos meus amigos jornalistas (Leônidas Jericó – que foi da Folha de São Paulo, onde ele aprendeu tudo) diz o seguinte: a vida é uma linha reta como uma rua. Um dia, de repente, você vira a esquina e tudo muda. Eu ainda acredito que isso possa acontecer outras vezes comigo, como já aconteceu. É dessa forma que a gente lida com coisas que não fez e espera fazer pela primeira vez ou refazer.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sugestionabilidade e Libido


Desenvolvendo um trabalho da Faculdade, em que foi necessário ler o livro “Psicologia de grupo e Análise do Ego”, escrito por Sigmund Freud (1856-1939) em 1921, percebi o quanto somos e podemos ser influenciados por algo ou alguém, mas mais que isso, entendi que esse poder sobre nós depende de nossas qualidades psicológicas.

Gostaria de propor pensarmos uma dela em especial. Essa qualidade é nomeada de sugestão ou sugestionabilidade, segundo Freud.

 sugestionabilidade é uma capacidade que define a disposição de alguém em aceitar ou não a idéia de outra pessoa e como ela reage a essa idéia.

Na obra citada, Freud se utilizou de idéias do psicólogo francês Gustave Le Bon (1841-1931) para sustentar sua teoria. Segundo Le Bon quando estamos em grupo liberamos nossos instintos mais primitivos, nos ausentamos de responsabilidades, cometemos atos que, sozinhos, não cometeríamos, perdemos nossa individualidade, nossas características mais marcantes são embutidas.

Em partes, nosso inconsciente se liberta. Um dos exemplos mais claros é a existência de torcidas organizadas. Determinado indivíduo não tomaria certo ato (vandalismo, agressões, destruição de estádios) se estivesse sozinho. Esse instinto certamente não seria liberado, pois pensaria em suas limitações sociais. Já em grupo, Freud propõe que é construída uma mente coletiva e a capacidade intelectual dos seres é reduzida. Voltamos a ser crianças. Outro exemplo claro disso pode ser observado nos berçários. Se por algum motivo,  uma criança começa a chorar, todas as outras também se sentirão impulsionadas a chorar.

Quando “liberamos” parte desse inconsciente é porque Eros (Deus do amor usado por Freud para designar a pulsão de vida, ou de ligação) nos domina. Nessa condição, precisamos do outro para satisfazer desejos próprios e afastar desconfortos (Princípio do Prazer/Desprazer). 

Na maioria das vezes não liberamos esses instintos porque nosso “eu” consegue satisfazer-se sozinho. Há um predomínio de Tânatos, auto-sustentável, ou seja, uma característica narcisista. Para entender melhor tudo isso, é fundamental que compreendamos o que é libido.

A libido é um termo tirado, por Freud, da teoria das emoções. Libido é a energia psíquica que move nosso aparelho mental.  Somos movidos por emoções, entram aí também, as teorias de Melanie Klein (1882-1960). O amor é uma capacidade, da qual desenvolvemos, ou não. Essa capacidade inicia seu desenvolvimento nos estágios iniciais de nossa vida. Por isso, o papel fundamental da mãe na construção do indivíduo.

Essas são algumas informações constatadas, mas esses assuntos citados vão muito além do que foi dito.

Estudar a mente humana e tentar compreender alguns comportamentos realizados por nós é fundamental para que problemas na nossa vida sejam evitados, ou que quando aconteçam, saibamos lidar com isso.




terça-feira, 26 de abril de 2011

Thoreau



“Fui para os bosques porque desejava deliberadamente viver, enfrentar apenas os fatos essenciais da vida, e ver se poderia aprender tudo o que ela tinha para ensinar.
Queria viver profundamente e sugar todo o tutano da vida, viver com tanto vigor que conseguisse aniquilar tudo o que não fosse vida, empurrar a vida contra uma esquina; reduzi-la aos seus termos mais humildes…para quando morrer, não descobrir que não tinha vivido!”


A frase é do Sr. Henry David Thoreau (1817-1862), tio-avô do movimento hippie, corifeu de Ghandi e de Tolstoi, livro-de-cabeceira de, entre outros, Martin Luther King e Christopher McCandless (do filme Into the Wild, de Sean Penn).

Este homem passou dois anos isolado da civilização, num barraco nas margens do lago Walden, absorto na contemplação da natureza. Retornado à civilização, tornou-se professor no liceu de Concord, onde trabalharia até a sua morte. Fez muitas viagens, descobrindo a beleza de florestas e paisagens naturais.

A experiência do isolamento deu origem à sua obra mais célebre, Walden, or life in the woods, descrição da sobrevivência às custas apenas do trabalho manual, com descrições exatas e mesmo assim poéticas. Tornou-se um clássico da literatura, com um livro de proporções místicas. A passagem citada acima ficou célebre em todo o mundo depois de ter sido apresentada no filme “Clube dos poetas mortos”.

Para quem, como eu, acredita que o homem devia ganhar somente o necessário para sobreviver, transformando assim nossa sociedade numa comunidade mais justa, igualitária e humana, sem que desperdicemos nossa vida como escravos de um consumismo supérfluo, vazio e segregante, vale a pena ler as obras desse grande pensador.

quarta-feira, 23 de março de 2011

DOE AMOR




Falta amor. Falta sangue. Hoje, o Hemocentro de São José do Rio Preto encontra seu estoque sanguíneo em baixa. Para que tenham um estoque bom, necessitam de, no mínimo, mais de três mil doadores por mês. Mas a realidade é outra, possui “em um mês excelente”, segundo a enfermeira responsável pela coleta, menos de dois mil doadores.

O Hemocentro fornece bolsas para mais de 120 cidades da região. Salva milhares de vidas. Mas ainda sim, não é suficiente se calcularmos a quantidade de gente que necessita disso nos inúmeros procedimentos realizados nos hospitais.

Para se ter uma idéia, uma bolsa de sangue doado por um indivíduo, pode salvar três pessoas! Isso porque são retirados três componentes dele:

1)Concentrado de hemácias – Para pacientes com anemia crônica severa com volume sangüíneo compensado ou anemia em pacientes com insuficiência cardíaca
2)Plasma – Transfusões em grandes cirurgias, quando o paciente perde muito sangue
3)Plaquetas – Pacientes que sangram devido a baixa contagem de plaquetas por causa de leucemias, câncer, anemia aplástica, quimioterapia, radioterapia e etc. As pessoas submetidas a transplante de medula óssea, necessitam de muitas transfusões de plaquetas.

“Temos de cinco a oito litros de sangue no nosso organismo (varia conforme peso e altura, de indivíduo para indivíduo). Doa-se 450 ML. Nada justifica as pessoas deixarem de doar, uma vez, que esse sangue não faz a menor falta para o doador”, disse João Lissoni, enfermeiro no Hemocentro.

Todos sabemos o quanto é importante doar. Não existem substitutos para todas as funções do sangue. Ninguém está imune de necessitar seu uso. Como não há sangue sintético, quem necessita de transfusão tem que contar com a boa vontade de doadores. O problema é quando chega nossa vez, sempre encontramos uma desculpa – Hoje não estou disposto; hoje está chovendo; hoje está sol; nesses últimos dias trabalhei muito e ando cansado; será que esse sangue não me vai fazer falta... - e vamos adiando a doação que poderia salvar a vida de vários necessitados.

Hoje, deixei o comodismo e fui até o hemocentro. Doei sangue. Impressionante a onda de amor que me dominou, quando fiquei sabendo, por meio do papo com os enfermeiros, de que três vidas podem ser salvas, papo esse que resultou em todos esses dados escritos acima, enlouqueci de alegria! Essa foi minha primeira vez, dizem que a primeira vez dói. Mentira! Foi fantástica.

Minhas percepções mudam a cada conversa interessante, a cada descoberta que tenho feito na vida. Uma delas era sobre amor. Esse amor que senti hoje foi diferente. Me fez ver o quanto sentimos coisas pequenas perto das grandes que existem e que, muitas vezes, nos negamos a conhecer e provar. Você pode optar por doar sangue. O amor, ato de fazer bem ao próximo, supera qualquer concepção, vazia, de que só há amor entre homem e mulher, ou outros tipos mais propagados pela mídia, que lotam a cabeça das pessoas e esvaziam o coração. Posso dizer que amo. E quero amar muito mais!

Como o próprio slogan diz: “Doe sangue. Doe Vida” não deixe de doar. Se tiver dúvidas, informe-se melhor. Conheça o Hemocentro de São José do Rio Preto, ele se localiza na Av. Jamil Feres Kfouri, nº 80 – Jardim Panorama CEP 15091-240
Fone/FAX: 17.3201-5151