“A vida é uma caixinha de surpresas”. A frase é clichê, mas extremamente verdadeira. O que eu achava que seria um trabalho chato de faculdade, me surpreendeu, já que foi nessa atividade que conheci o talentoso jornalista Rubens Celso Freitas Barbosa, o Cri.
Há mais de 20 anos atuando no jornalismo, Cri tem muita história para contar e experiências para serem divididas. Participou de momentos marcantes no nosso país, como os “anos de chumbo” do regime militar e a elaboração da Constituição de 1988. Um homem que merece atenção e que cultiva admiração de quem o conhece.
Durante a entrevista, a seguir, você vai observar o ponto de vista deste “militante” em diversos assuntos. Censura e liberdade de imprensa são assuntos muito discutidos, suas frustrações pessoais emocionam, e, até mesmo você, que não é jornalista, poderá conferir dicas importantes.
1) Como se interessou pela comunicação social? Onde você já trabalhou? Como era seu relacionamento com os colegas de trabalho? Atualmente, continua na profissão?
Cri – Meu primeiro contato com o que se convencionou chamar de Comunicação Social foi através da arte. Ainda na terceira série ginasial (hoje 7ª série do ensino fundamental), na escola Felício Miziara, fui convidado a participar de um grupo de teatro que a escola mantinha, pela minha professora de português, dona Dayse Rollemberg, já morta. Eu me destacava nas suas aulas e ela achou que eu tinha o perfil para fazer teatro. Além de ser uma pessoa com muita desenvoltura eu tinha outra característica que era fundamental para o exercício da profissão: cultura geral. Lia muito e tinha vocação para saber das coisas. Vivíamos uma ditadura militar e eu era, dentro da escola, com pouco mais de 12 anos, uma pessoa inconformada com a situação política do país. Deixava isso claro nas aulas e nas rodas da escola, assim como junto a todos os professores. Naquela época, para você montar uma peça de teatro havia um ritual que passava pela censura. Dois tipos: a censura do texto (quando o texto era enviado à Censura Federal) – uma repartição da Polícia Federal – para saber se ele não “atentava contra a ordem pública”, e outra chamada censura visual. Na censura visual “um censor marcava data a partir de São Paulo – no nosso caso, claro – e vinha “ver” o espetáculo montado. Fazíamos uma apresentação com o teatro vazio, apenas para ele ver. Além dela, havia a censura do texto – eles cortavam partes ou até mesmo o censuravam o texto na totalidade –. Já na censura visual, eles queriam ver se você não fazia gestos ou alguma cena em que, sem falar (usar do texto) você atentava contra o regime militar através de gestos, cartazes, etc...”. Certa vez eu decidi escrever um texto. Ele era muito experimental. Com pouquíssimas palavras e muitas cenas. O espetáculo se chamava Faces. Enviei para a Censura Federal e, além deles (os censores), um repórter da Folha Ilustrada, da Folha de São Paulo, se interessou por aquele espetáculo diferente. Ele veio acompanhando o Censor para ver a peça. O Censor não fez qualquer objeção, mas o repórter achou que eu devia ser jornalista, falar mais objetivamente às pessoas, essas coisas. Sobre meu espetáculo, fez uma bela matéria para a ilustrada, de uma página. À época, Rio Preto tinha 4 jornais diários (Diário da região, Folha de Rio Preto, A Notícia e Diário da Araraquarense) e outras 5 emissoras de rádio (Rádio Independência, Brasil Novo, Rádio Rio Preto, Anchieta e Piratininga). Não havia FM. Como tinha amigos jornalistas na cidade, acabei n’A Notícia. Foi meu primeiro emprego. Dois meses depois, mesmo n’A Notícia, comecei a fazer noticiário para a rádio Brasil Novo (escrevia os noticiários para a emissora que, depois, eram lidos por um locutor). Logo começaram a se instalar na cidade as FMs. A Brasil Novo AM montou a Onda Nova FM, para onde fui deslocado (já havia a Independência FM, que foi a 1ª a se instalar). Foi meu primeiro trabalho como locutor (mas na Onda Nova FM eu fazia programas musicais, e foi antes da emissora se transformar na primeira FM do Brasil a se dedicar 24h por dia exclusivamente à música sertaneja). Não parei mais: trabalhei no Diário da Região, na Folha de Rio Preto (hoje ela se chama BOM DIA), na A Notícia, refundei o Dia e Noite – que, nessa oportunidade, durou seis meses - (jornal havia explodo na cidade nos anos de 1976, 1977 e depois faliu) e implantei há sete anos (infelizmente) o D’Hoje (que foi jornal durante uns seis meses, depois virou uma piada). Trabalhei nas rádios Brasil Novo AM, Onda Nova FM, Independência AM, Independência FM, Estéreo Show (uma emissora que era do grupo Abril e que foi vendida para a Independência AM/FM - hoje é a Band - e as três se transformaram no Sistema Independência de Rádio) – nelas fiz política muito forte, era perseguido pela Polícia Militar local (e por outros serviços que não consegui identificar), fiz a campanha pelas Diretas Já em Rio Preto, pela Constituinte de 1986, transmiti ao vivo de Brasília a instalação (da Constituinte) em 86 e a conclusão da Constituição em 1988, etc..., ainda trabalhei na Band, e na Rede Globo Noroeste Paulista, no Canal 16, depois fundei jornais de bairro, como o Jornal da Zona Norte, etc... Fui processado algumas vezes, por injúria, calúnia, difamação, mas sempre fui inocentado (ainda respondo uns dois ou três inquéritos).
Após uns quinze anos na profissão, na maior arte do tempo cobrindo política, acabei me envolvendo com políticos. Aí perdi a objetividade e a independência. Por isso, passei a cumprir outras atividades que a profissão permite. Fiz campanha política (marketing político, texto, produção de programas de TV, etc...). Passei também a fazer assessoria. Fui diretor de Comunicação Social da Câmara Municipal de Rio Preto por três períodos (seis anos). Fui assessor funcionário da Câmara Federal para o então deputado federal Edinho Araújo.
Hoje sou assessor de imprensa para a região Noroeste (no papel, assessor parlamentar) do senador Aloysio Nunes Ferreira Filho (PSDB), com quem mantenho amizade desde quando ele voltou do exílio, após perseguição dos militares. Ele foi presidente do 11 de agosto – diretório estudantil da Faculdade do Largo de São Francisco (Direito da USP) e militante armado da ALN - Aliança de Libertação Nacional. Ele chegou de volta ao Brasil em 1980, junto com FHC e Serra (ele exilou-se na França), depois da anistia concedida pelo presidente general João Figueiredo de Oliveira (ele assinou a anistia por pressão popular e porque seu pai, um general (Euclides Figueiredo) no período de Getúlio Vargas – também foi exilado e foi anistiado – e ele se lembrava – era menino - do quanto sua família sofreu). Também mantenho longa amizade – amiga querida - (antes que ele a conhecesse) com a esposa dele, jornalista Gisele Sayeg, hoje professora em numa faculdade em São Paulo, cujo nome não me lembro.
A segunda parte da pergunta é um pouco difícil de explicitar: minha relação com os colegas – No início foi muito difícil. Os jornalistas da época eram muito dóceis (a censura e a pressão eram bravas). Tínhamos uma ditadura no país e eles “estavam acomodados com a situação. Não podiam falar muita coisa. Para se ter uma idéia, os grandes jornais do país tinham um censor (assim como para teatro e música) dentro da redação que liam texto e só autorizavam ou não a publicação após leitura minuciosa, e subjetivamente decidiam o que era publicável e o que não era. Eles acabavam ‘promovendo uma espécie de auto-censura’ nos jornalistas. Tinham medo. Os jornalistas já sabiam o que podia e o que não podia publicar, além das punições que sofriam (tínhamos no país uma lei chamada Lei de Segurança Nacional (LSN), pela qual enquadravam os jornalistas por motivos subjetivos; jornalistas, militantes políticos e até pessoas comuns. Essa lei era motivo de pânico por parte de jornalistas, donos de jornais (alguns jornais chegaram a fechar) e militantes políticos porque, quem os enquadrava nela, não precisava apresentar muitos motivos (provas). Você recebia em casa uma intimação que o enquadrava na LSN e pronto. Para se livrar era um transtorno, porque ela não fazia parte do regramento jurídico do país (Códigos Penal, Civil, Criminal, etc...) Era uma lei de exceção, política. Você é que tinha que provar que focinho de porco não era tomada, que não era culpado de nada (muitas vezes apenas uma opinião contrária ao regime ou aos militares). E pronto. Raramente alguém conseguia provar a inocência (os juizes tinham medo dos militares – todos tinham medo. Na realidade, os militares usavam a Lei para amedrontar e perseguir, muitas vezes, quem eles apenas não gostavam, mesmo sem motivo). E eu achava que “os colegas” eram medrosos. Eu era muito jovem. Não tinha filhos. Portanto, “não tinha nada a perder – ou quem dependesse de mim”. Não conseguia entender tamanha servidão no dia-a-dia das redações. Brigava com meus companheiros de redação. Cheguei a xingar alguns deles de covardes, de coniventes, de pessoas ligadas ao regime (militar), de bundões. Mas eles eram mais velhos, escolados, me entendiam, me desculpavam. E gostavam da minha postura diante da ditadura. Devagar tudo foi caindo: a LSN, a censura, e, com as mobilizações populares, a própria ditadura. Eu era um pouco geniozinho rebelde, cabeludo, maconheiro. Eles eram todos bêbados. A gente não combinava. Eles faziam programas de boteco e eu tinha minha turma, bem diferente. Mas eram gente fina, estão aí até hoje: Minhas maiores brigas foram com Walter Prata, na A Notícia. À época tínhamos trabalhando na cidade jornalistas importantes tais como Alaor Inácio dos Santos, Nilza Bellini, Neide Nadruz, Élzio Gianotti, José Luiz Rey, Toledo, Lelé Arantes, José Carlos Furlaneto (outro direitista com quem eu brigava muito), Beto Lofrano, Eládio Baida, José Alberto Ceconi, dono da Folha – morria de medo, Cecília Demian; Jô Ramirez, Milton Rodrigues (do Diário) e Miltinho Rodrigues (da A Notícia e locutor de rádio); meu professor de tudo, chamado Leônidas Jericó – falava: calma menino, calma -, Mário Soler, Rosa Maria Abrhão, Adib Muanis Filho (Adibinho) meu chefe na Globo; Wilson Guilherme, Clenira Sarquis, Ruy Sampaio, Mirna Soares, e dezenas de outros que não consigo me lembrar agora, gente que já morreu, etc... No rádio trabalhei com gente que na época eu não gostava (era muito preconceituoso, coisa da juventude) como Gentil Rossi e todo o grupo da geração dele (eles já eram velhos quando eu cheguei e não suportava o estilo deles). Mas eles me adoravam. Sacavam que minha posição era ideológica, de irredutibilidade diante da ditadura, do Brasil pobre e injusto, essas coisas que o tempo vai fazendo esvair. E eu tinha outro lado que eles admiravam. Era militante político. Ainda na escola (Miziara) entrei para um grupo clandestino (mas que não aderiu a luta armada) chamado Libelú – Liberdade e Luta, fundado e ligado a professores, centros estudantis e intelectuais da USP. Esse foi um dos grupos (chamados até hoje de Tendências – o Lula pertencia a uma Tendência, e ainda pertence, a mais frouxa, mas que tem maioria, vence todas as votações internas e manda no partido) que fundou o PT. E eu militava em Rio Preto. Nunca participei de nenhuma ação violenta, apenas estudávamos cartilhas de esquerda e de como recuperar a democracia com lutas populares, organização sindical, estudantil e de associações populares. Não assinei a ata, mas ajudei a fundar o PT por aqui. Eu me envolvi com o grupo no Miziara e na Casa de Cultura, quando fazia teatro. Tinha até codinome (nome falso) e participava de reuniões secretas, com no máximo cinco outras pessoas que não se conheciam – era para que ninguém – caso fosse preso - caguetasse, dedurasse, ninguém.
Para responder a última parte da pergunta – sim, ainda continuo na profissão. Escrevo matérias e textos para artigos do senador Aloysio Nunes. Ele lê, aprova ou não, muda o que deseja, descarta o que ele não concorda, essas coisas... Portanto, sou funcionário do Senado Federal. Fico num escritório em Rio Preto. Em Brasília ele tem uma assessora de imprensa (Cláudia Lacerda, com quem trabalhei na A Notícia) que faz a interface (o dia-a-dia) com os jornalistas que cobrem o Congresso Nacional.
2) Você tem/teve depressão?
Cri - Tenho depressão hoje, porque vejo que a profissão é um engodo. Ela não serviu para nada do que eu queria. Hoje tenho 54 anos e o país piorou do ponto de vista ético e moral. O Brasil cresceu, ficou importante e a miséria “diminuiu”. Mas não a miséria moral. Do ponto de vista cultural, o país não avançou um milímetro. Piorou. Quando era jovem tínhamos geração crítica. Não era tão asséptica, tão politicamente correta, podíamos pensar sobre qualquer coisa com menos patrulha ideológica. Hoje a juventude é subserviente, na totalidade. A única atividade que provoca o contraditório (a tal da dialética) é a atividade cultural. A discussão da história da arte e a leitura como atividade/dia. Outra coisa que você descobre ao longo da carreira (hoje muito mais cedo) e que não existe liberdade de imprensa. O que existe é liberdade do dono do jornal ou do dono de qualquer outro veículo. O jornalista é apenas um empregado que serve aos interesses do proprietário do veículo. Se ele estiver a fim de se alinhar a um projeto político que você não concorda, você faz a “pauta” que ele determina. Hoje a fuga desse tipo de imposição é a fuga para veículos alternativos. Você pode fazer um impresso seu (jornal independente, mas que depende de propaganda) ou mesmo fugir para veículos virtuais como blogs ou sites pessoais. Mas quando eles não estão ligados a veículos de destaque acabam tendo uma ação limitada. Caso você não tenha poder econômico, fica a mercê de grupos fortes que podem te intimidar. A diferença entre quando eu comecei e hoje é o seguinte: naquela época todos (todos mesmo) tinham um inimigo em comum: a ditadura. Então, quando um jornalista era mais corajoso, tinha o apoio do dono do veículo. A sociedade civil estava unidade, da esquerda á direita. Hoje não há inimigo em comum. Não há quem derrotar. Não há por que dar independência ao jornalista. Então, entramos na era do superficial, da celebridade. A notícia mais importante é o fugaz, o superficial, o BBB. Hoje, raramente temos uma redação comprometida com os problemas reais da cidade (que pensa e apresenta um projeto alternativo para a cidade), do estado ou do país. Infelizmente, hoje, o jornalista se acha mais importante que a notícia. Ele deseja ser a celebridade. Desde que ele seja “notado”, “apareça”, a notícia passa a ser secundária. Ou, ele tem uma noção equivocada do que é uma notícia realmente importante. Tanto que muitos hoje entram na profissão porque acham que vão ser estrela da rede Globo. Quando descobrem a realidade, se frustram. Começa que a maioria vai para veículo impresso. Tem que escrever. Não é bem assim. Como qualquer outra profissão, ser jornalista é 90% de transpiração e 10% de inspiração. Ou seja: somos apenas operários. Picamos ponto, cumprimos horários, ganhamos uma miséria. Eu particularmente sempre fui muito bem pago, ganhei alguma grana. Podia ter guardado, mas não o fiz. Hoje tenho depressão sim. Mas quando trabalhava diariamente tinha muita tensão, ficava instigado, irritação, e tesão pela coisa. Vivia ligado. Dormia pouco. Mas amava a tensão da coisa. Isso foi passando com o tempo. Hoje devo confessar que sou deprimido por ter “descoberto” que não adiantou muita coisa tudo o que fizemos. Se pudesse voltar no tempo faria tudo diferente, talvez optasse por outra profissão.
3)O que significa depressão para você? Como foi essa fase na sua vida? Quanto tempo durou? Fez algum tratamento? Aprendeu algo com isso?
Cri - Depressão é um estado de prostração. De falta absoluta de vontade de fazer (seja o que for). Querer fugir da realidade, dormir, por exemplo, enquanto tudo pega fogo. Não se importar muito com as coisas importantes. Relevar. As coisas perdem o sentido. Tudo deixa de ter importância. É muito pessoal. Muitas coisas podem te levar à depressão. No meu caso, a decepção. Trabalhei muito. Durante uns 20 anos trabalhei em dois ou três veículos ao mesmo tempo (jornal, num horário, rádio noutro e TV num terceiro tempo). Perdi todos os sábados, domingos e feriados desse período. Plantão atrás de plantão. Quando não era num veículo era noutro. Fiz de tudo: política, polícia, geral, esporte, economia, tudo. No rádio, na TV e nos jornais. Se você não tem dinheiro para um bom psiquiatra, tem que superar de forma racional. Mesmo não tendo vontade de nada, de fazer, passe por cima dela de forma racional, mesmo no fundo do poço. E tem que sair dela de forma racional porque mesmo mal você sabe que o estado em que ela te deixa não é o normal. Então, tem que sair e pronto. É como se você esta se afogando. Se você não subir e sair nadando, mesmo que à força, você se afoga e morre. Então, tem que ir em frente. Por a cabeça pra fora e ir à luta. Não tem outro jeito. Mesmo que você tenha dinheiro para um psiquiatra o que ele vai fazer é você se conhecer melhor, mas o que você tem que fazer para se livrar dela é a mesma que você tem que fazer se não tiver dinheiro, se não tiver psiquiatra. Não é o psiquiatra que te pega com a mão e te tira de lá. Mas não é apenas a profissão que te dá depressão. Descobrir que a vida é limitada, que acaba, que as pessoas que você ama estão indo embora, que o tempo não volta, que a chance que você teve não terá novamente, que a pessoa que você ama não te ama, que quem você não trai te traiu, etc..., tudo pode levar à depressão. Olhar no espelho e ver a juventude pelo retrovisor, por exemplo, é a coisa mais doida da vida. Descobrir que você não é insubstituível, que quando as rugas aparecem você olha e todos são belos e jovens e fazem o que você fazia e agora eles é que são importantes, etc... A vida não te prepara para isso, mas descobrir com consciência que essa hora chega é muito importante para superar quando tudo chega. Saiba disso, sugue tudo o que a juventude pode te dar, porque ela vai embora e numa velocidade que você nem imagina. Num piscar de olho.
Nunca fiz tratamento. Não acredito em quem sabe menos que eu. Desculpe a falta de modéstia. Mas em Rio Preto, por exemplo, esse universo é que precisa ser ajudado (psicólogos e psiquiatras), não consegue ajudar ninguém. É um bando de imbecis. Um dia você vai descobrir que os “doutores” são pessoas menores que você.
Aprendi muito com a depressão. Aprendi que ainda tenho tempo de conquistar coisas, para sair dela, que hoje 54 anos é o mesmo que ter 40 quando eu era jovem. A medicina avança e dá chance para que você fique um pouco mais por aqui, que ainda dá tempo de lutar por coisas que você não considerava importante até pouco tempo atrás, mas que fazem toda a diferença. Agora, tem uma questão: a medicina está descobrindo que a depressão não é apenas motivada por questões emocionais. Com o passar dos anos o corpo deixa de produzir certos hormônios, ou mesmo enzimas que o cérebro usa como neurotransmissores. Ou seja: enzimas que levam elementos químicos de um lado para outro do cérebro. Alguns, como a serotonina, responsável pela sensação de felicidade, de bem estar (liberada principalmente quando se faz exercício físico) podem ser repostos. Nesse caso, o tratamento é químico mesmo. Tomar remédio e acabou. Aí a vida volta a ter cor. Uma das doenças mentais que estão descobrindo que é provocada por falta ou morte de neurotransmissores é a esquizofrenia (algumas formas dela, porque têm várias). Tem gente que ficou anos presa em manicômios que está voltando à vida depois de tomar remédio para repor neurotransmissores. Portanto, cuidado com essa coisa de que “estamos emocionalmente comprometidos”. Os químicos estão desmistificando muitas doenças que antes eram “propriedades particulares de alguns segmentos da medicina”.
4)Na nossa área somos cada vez mais pressionados a saber sobre tudo, e sermos mais rápidos (furos jornalísticos) que os veículos de comunicação concorrentes, gerando assim uma pressão maior sobre resultados. De que forma isso se reflete/refletiu em você?
Cri - Nunca perdi o sono por causa disso. A competição me estimulava. Em mim refletiu como estímulo. A competição me dava alegria. Me fazia tentar passar por cima dos outros. O problema é quando não estamos preparados. Você tocou num ponto importante: saber sobre tudo. Na realidade, ser jornalista é ter cultura geral. Essa é uma obrigação do jornalista. Caso contrário, caia fora. Se você se sente pressionado por falta do saber, é porque você não é. Isso não é o fim do mundo. Na realidade, o saber é apenas ler. Ter cultura geral. Ler jornais diários. Ser contemporâneo. Ver filmes, teatro, música, saber quem é quem na história e na história do seu tempo. Eu, particularmente, li muito (já com 13 anos participava de um grupo, na Casa de Cultura, de estudo que lia em grupo os grandes pensadores e discutia suas idéias e posições) Isso não é difícil de fazer. É só juntar um grupo de estudantes, escolher temas, e mandar bala. Logo aparece alguém que sabe um pouco mais para ajudar, um professor, por exemplo. Vi centenas de peças de teatro, li muita história e fiz curso de história da arte. E, por incrível que pareça, não tenho nenhuma faculdade, embora tenha começado três e não concluído nenhuma (Letras, Direito e Jornalismo). A questão do furo do dia-a-dia é saber trabalhar. Construir fonte. Aí já é uma questão de estabelecer relações “de confiança”. Jamais converse coisas sérias com suas fontes na frente de outras pessoas. Essa é uma relação entre duas pessoas. Fale com ela fora do trabalho dela, ligue na casa dela, se encontre em locais onde pessoas não fiquem sabendo. Alimente essas relações no dia-a-dia. Isso não se faz do dia para a noite. Hoje com dezenas de fontes de informação, o negócio é pesquisar (milhares de sites), leia todos, fique sabendo de coisas antes que os outros. No caso do jornalismo, existem centenas de institutos de pesquisas (poucos exemplos – IBGE, IPEA, CEPAM, FGV, FIPE-USP, etc...). Eles dão dados que lhe darão manchetes todos os dias. Pegue os dados, traga para a realidade local. Por exemplo: o IBGE dá um número sobre mortalidade infantil no país. Busque o mesmo dado dentro da sua realidade, do seu contexto, da sua cidade, e terá uma bela matéria. Faça o mesmo em relação a pobreza, a miséria, o número de homens ou mulheres, brancos ou pretos, faixas etárias (idade), gêneros (sexualidade), e assim por diante. Pegue os dados e repercuta junto a especialistas desses assuntos dentro da sua cidade. A FGV faz isso com números da economia. O CEPAM com questões do Direito. Caso seja setorista (de política, na Prefeitura ou Câmara, ou de esporte, nos times da cidade) estude o organograma de cada uma dessas instituições. No caso da prefeitura, são 18 secretarias. O que cada uma delas faz. Qual o esqueleto funcional – quantos funcionários, o que cada um faz – quais os projetos que ela toca, como eles andam, em qual estágio estão, pergunte - faça o acompanhamento diário, e não levará furos. Dará furos. Saber quais são os funcionários e o que cada um deles faz é importante até para fazer contato longe dos olhos dos outros (dos chefes), por telefone (não por e-mail, porque deixa rastro). O setor policial é a mesma coisa, um pouco mais perigoso. Não tem segredo. Para ter acesso a leitura, não é necessário ser rico. Rica é a biblioteca pública da cidade. Descubra.
No caso da pressão, refletiu em mim me dando força. Nessa área a gente tem que ser agressivo, instigar, ser curioso, não ter vergonha. Ser atrevido. Ninguém nasce sabendo, portanto, é preciso não ter vergonha e perguntar. Conheci jornalista que tinha vergonha de perguntar o nome correto do entrevistado. Ele achava que ia mostrar ignorância, No dia seguinte, o nome do cara estava grafado de forma errada. Aí é que fica ruim. É preciso perguntar tudo. Absolutamente tudo, mesmo que pareça ridículo.
5)Muitos relacionamentos são desfeitos pela falta de vida pessoal dos jornalistas (não tem feriado, passa o tempo todo na redação ou viajando, etc.). Isso já aconteceu com você? Se sim, como lidou com isso?
Cri - Claro que isso aconteceu. Na realidade, eu não tive vida pessoal no sentido amplo dessa expressão. Tinha vida familiar, apenas. Desfiz relacionamentos da juventude, da militância política, dos grupos de teatro. Mas considero que não desfiz, e sim aumentei minhas relações. Claro que aquilo que fazia no dia-a-dia com essas pessoas deixaram de ser feitas. Mas minha vida como jornalista foi tão intensa que não sentia falta de nada. Hoje eu sinto. Mas não sinto falta de pessoas, mas sim de coisas que não fiz. Hoje eu não trabalharia tanto e amaria mais. O amor é a única coisa que importa na vida. Teria tido mais relacionamentos. Durante anos fui rato de redação (praticamente dormia na redação). Hoje sinto falta do que não tive. Não tive amores. E hoje sei que é a única coisa que importa. É a única coisa que se leva. Conhecimento, relações que te dão a ilusão de importância são coisas fugazes. O que vale são as relações de amor. De amor verdadeiro. De sentir e ser sentido. Não sinto os relacionamentos desfeitos. Sinto aqueles que não foram feitos. Não deixe isso acontecer com você. Na minha idade, não há como lidar bem com isso. Apenas lamenta-se, aceita-se. E deixa a vida acontecer. Um dos meus amigos jornalistas (Leônidas Jericó – que foi da Folha de São Paulo, onde ele aprendeu tudo) diz o seguinte: a vida é uma linha reta como uma rua. Um dia, de repente, você vira a esquina e tudo muda. Eu ainda acredito que isso possa acontecer outras vezes comigo, como já aconteceu. É dessa forma que a gente lida com coisas que não fez e espera fazer pela primeira vez ou refazer.
Natália, como falo com o Cri? Pede para ele entrar em contato comigo
ResponderExcluirAlexandre Imparato
alexandreimparato@oestadoms.com.br